O que aconteceu aqui? por Ana Claudia Domingues
A mansão estava completamente vazia quando Maria chegou, e isso não era uma coisa normal naquela residência.
Na verdade, a mansão já esteve assim, vazia e silenciosa algumas vezes, mas algo ali estava diferente, algo ali estava estranho… o vazio era sentido por todo seu corpo, o silêncio tinha cheiro. E isso, de fato, não era algo normal. Ela nunca havia ouvido falar que o silêncio exalava cheiro, mas aquele tinha, e era um cheiro forte, esquisito, ruim…
Assim que Maria abriu a grande porta da mansão, essas sensações a atravessaram como um soco no estômago, como um chute direto em sua face.
Ela sentiu suas pernas bambearem e falharem por alguns segundos, sentiu seu coração acelerar dentro do seu peito, suas mãos perderem completamente a força e seus ombros se contraírem e se relaxarem, tudo isso ao mesmo tempo.
Eram 5h da manhã de segunda feira quando tudo isso estava acontecendo dentro da mansão. Ela havia viajado com o namorado para um fim de semana divertido na cachoeira, e foi mesmo, mais divertido do que ela achou que seria já que, segundo ela, teria sentido uma algo ruim quando saiu de casa na noite de sexta feira. Sentiu que devia abraçar os pais e assim o fez, os abraçou com força e muito afeto, abraçou seu irmão também. O tão amado Júlio.
Júlio era 3 anos mais novo que Maria e, aos 23 anos de idade, tinha Maria como sua melhor amiga, e ela a ele. Até que o namorado dela apareceu e as coisas mudaram um pouquinho, mas não foi para a pior, pelo contrário, era como se fossem os 3 mosqueteiros, eles eram um time e Júlio era parte importante da equipe, mas aos 23 anos de idade, reconhecia seus limites e, quando convidado pela irmã para o fim de semana, negou veementemente e desejou, com um abraço apertado, que a irmã se divertisse.
Ah, que família bonita eles eram. Maria jamais pensou que toda aquela beleza pudesse acabar assim, daquela forma sádica e doentia.
As 5h da manhã de segunda feira ela chegou em casa, à sua tão amada e preciosa mansão, chegou para o seio da sua família.
Às 5h da manhã.
Como havia combinado com todos, chegaria em silêncio, entraria no seu quarto e dormiria até as 9h, quando acordaria, tomaria um banho revigorante, um café da manhã delicioso preparado pela melhor empregada que já tiveram e, então, iria trabalhar nos negócios da família.
Os pais, concordando com seu atraso ao trabalho, aderiram ao plano da amada e um tanto rebelde menina.
Tudo estava conforme o esperado, até o momento em que Maria abriu a porta da mansão e o silêncio, aquele que chega a ensurdecer, invadiu as narinas da pobre menina mulher de 26 anos de idade.
A partir daquele instante, os planos não ocorreriam como o esperado, nada seguiria o roteiro planejado por ela e comunicado com excelência a toda família.
Maria, depois de se recompor física e mentalmente – o tanto quanto fosse possível – procurou, com certa dificuldade, o interruptor e, assim que o encontrou as grandes luzes se acenderam. Ela sentiu uma pequena fagulha de dor nós olhos e piscou algumas vezes. Não havia nada demais ali, só os móveis caríssimos que sempre ali estiveram, mas algo não encaixava e ela sabia que era algo no silêncio, algo no cheiro que aquele silêncio tinha.
Olhou para todos os cantos até ter 100% de certeza de que, ali, tudo estava normal.
Foi então que algo mais anormal que o cheiro do silêncio aconteceu. Como num passe de mágicas o silêncio absoluto foi embora e uma respiração completamente ofegante e agoniante tomou conta do espaço.
A primeira coisa que passou pela mente de Maria, foi a imagem do irmão e com bastante dificuldade, caminhou o mais rápido que pode até o andar de cima. Nem se deu conta de que havia muito sangue espalhado pelo corredor, muito menos que esse era o cheiro tão terrível e inesperado do silêncio.
Colocou a mão na maçaneta da porta e sentiu algo pegajoso ali, foi assim que ela percebeu o sangue, todo o sangue que estava espalhado por todo aquele extenso corredor, até chegar à porta do quarto do irmão.
Sem abrir a porta ouviu com atenção a respiração que vinha lá de dentro. A dificultosa respiração que vinha do quarto do irmão e, num ímpeto de sensações, desistiu.
Pensou nos seus pais. Se alguém tivesse algo a fazer ali, eles seriam os primeiros a serem atingidos.
Ela não errou.
Tentando não enxergar e não sentir o cheiro de todo aquele sangue espalhado, ela caminhou lenta e corajosamente para o quarto dos pais. Havia desespero em seu coração, mas havia força e garra em seus olhos e, como uma heroína que não deixa transparecer seus sentimentos, abriu a porta do grande quarto dos pais.
Ali o cheiro não era apenas de sangue, era algo mais forte, era um cheiro de podridão, um forte cheiro de morte.
Maria levou a mão a boca e deu um pequeno e agudo grito ao se deparar com os corpos extremamente lesionados de seus pais. A face de cada um deles estava completamente destruída, havia sangue e restos mortais espalhados pelas paredes, pelo chão, pelos caríssimos lençóis que cobriam aquele belíssimo casal.
Ela entrou num estado de choque e só saiu dele quando ouviu o grito do quarto no fim do corredor.
– Júlio!! – Correu para salvar seu irmão do que quer que fosse.
Abriu a porta sem se importar com o sangue que estava na maçaneta e teve uma surpresa ainda maior do que a que teve no quarto dos seus pais.
Júlio estava sentado no chão. Suas mãos estavam completamente sujas de sangue, assim como seu rosto, seu cabelo, sua cama, sua parede, seus lençóis.
Perguntando se ele estava machucado e recebendo uma negativa como resposta, Maria se aproximou do irmão e, chorando, o abraçou. No meio desse afetuoso abraço ela pôde ver ali, no canto do quarto, uma arma de fogo, e uma marreta extremamente ensanguentada.
Ela então, sentindo medo do irmão, o afasta lentamente, ele olha para os olhos incompreensivos e assustados da irmã e pergunta:
– O que é que aconteceu aqui?
Sem responder ela sai do quarto, desce as escadas, pega o telefone e liga para a polícia.
Quando a polícia chega, se depara com verdadeiro massacre.
Júlio continua no seu quarto gritando sem saber o que aconteceu.
Maria é encontrada no sofá, em posição fetal, sem conseguir distinguir seus sentimentos, seu medo, e seus sustos.
Passado todo aquele momento de dor, toda aquela primeira sensação, os dois são levados para a delegacia e são obrigados a responder algumas perguntas, procedimento padrão.
Os advogados da família estão com os dois.
Júlio está extremamente abalado, seus pensamentos não condizem com nada do que ele consegue falas, suas falas não fazem o menor sentido, ele realmente não sabia o que aconteceu ou o que estava acontecendo. Ele mal sabia que seus pais estavam mortos…
Já na sala ao lado, havia uma Maria extremamente lúcida e capaz de relatar tudo o que já foi citado acima, e novas informações que estariam por vir.
– Você acha que seu irmão pode ter cometido um crime como esse?
– Não. Meu irmão era apaixonado pelos meus pais, pela vida.
– E o que você acha que pode ter acontecido ali?
– Não sei. Alguém pode ter o sedado, matado meus pais, tentado colocar a culpa nele, sei lá. Eu não faço ideia. Não sei se havia alguma motivação, a não ser dinheiro. O dinheiro do cofre sumiu?
– Sim.
– E as joias?
– Também.
– Tá vendo? Não pode ter sido meu irmão. Eu pensei muito sobre isso, sabe? Não há nenhum histórico, nenhum motivo… por mais que ele sofra alguns apagões, nenhum deles proporcionou algo que chegasse perto de ser violento.
– Seu irmão sofre de apagões constantes?
– Não. Ai, meu Deus. Isso poderá prejudicá-lo? Não são constantes, aconteceram pouquíssimas vezes, na verdade. Mas, isso pode prejudicá-lo de alguma forma?
– Senhorita Maria, acho que podemos encerrar por hoje.
– Por favor, me responde. Isso vai prejudicar meu irmão?
Maria não foi respondida e ambos foram liberados para o enterro dos pais. Em meio a abraços carinhosos e solidários, Maria novamente questionou o irmão sobre suas atitudes, e ele se negou, claro. Apesar de não saber o que aconteceu, Júlio sabia que não era culpado.
Maria fez questão de passar todo aquele momento de adeus abraçada ao irmão, assim como fez questão de mostrar a todos que, embora o amasse, sentia um pouco de medo dele.
Enquanto os corpos dos pais eram enterrados, Maria pediu aos céus para que o seu plano não fosse descoberto e agradeceu, também aos céus, por todas as joias e dinheiros que estavam no cofre.
Escrito por Ana Claudia Domingues
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